18 Set 2020 - hHRS

E-commerce tem fôlego para manter ritmo de crescimento?


 Por Karina Lignelli 17 de Setembro de 2020 às 07:00

  | Repórter lignelli@dcomercio.com.br


 

O isolamento social imposto pela pandemia provocou profundas alterações no comportamento do consumidor. Principalmente no que diz respeito às compras on-line, que vêm batendo recordes em 2020.  

Um levantamento sobre os impactos da covid-19 no varejo brasileiro, da consultoria global de gestão estratégica Kearney, divulgado em agosto último, aponta que as compras on-line devem registrar R$ 111 bilhões este ano. A alta é de 49% ante 2019, quando o setor faturou R$ 75 bilhões.   

Por outro lado, o varejo total, mesmo ganhando maior fôlego após a reabertura, com a retomada do crédito e da confiança do consumidor, deve encerrar o ano com queda em torno de 5,2%, segundo estimativas dos economistas da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). 

Mas, diante de tamanho crescimento do e-commerce, uma pergunta certamente está na pauta de todos os varejistas e fornecedores: será que a alta continua - e se manterá sustentável - depois da pandemia?   

Alguns insights dão algumas pistas. A quarentena fez as compras on-line de supermercado e alimentos de consumo imediato, categorias que tinham os menores índices de penetração no Brasil (de cerca de 2%), puxarem o crescimento das vendas pela internet em quase 50% desde o início da pandemia. 

Até quem nunca tinha comprado via sites e apps entrou para as estatísticas: foram 7,3 milhões de novos entrantes só no primeiro semestre - uma alta de 38% ante igual período de 2019, segundo dados da recém-divulgada 42ª edição do Relatório Webshoppers, da Ebit|Nielsen. 

As mudanças foram tão profundas que, segundo Pedro Guasti, fundador da Ebit e especialista no setor, o e-commerce, que demorou 20 anos para chegar a 6% do varejo, deve dobrar essa participação em 2020.

"O setor, que já vinha crescendo e conquistando espaço no gosto do consumidor, consolida-se e chega a um novo patamar", diz Esteban Bowles, sócio da Kearney e especialista em varejo. "Mas é preciso entender que não se trata de um movimento novo, ele foi apenas acelerado."   

Para entender essa questão, basta observar cenários pré-pandemia e comparar o mercado brasileiro com outros mais maduros para entender esse comportamento. Enquanto o e-commerce de moda respondia por 5%, e eletroeletrônicos por 23%, nos Estados Unidos eram 26% e 43%, respectivamente. 

Na pandemia, moda cresceu 15% e eletrônicos se mantiveram em patamar estável por aqui. Já alimentação cresceu 73% nesse período ante 2019, e a compra de artigos de beleza e cuidados pessoais subiu 70%. 

"A gente sabia que existia um espaço grande de crescimento, com mudanças e benefícios que o e-commerce traz quanto às ofertas especiais e conveniência. E a pandemia ajudou a confirmar um pouco essas previsões."

O estudo da Kearney mostra ainda que R$ 69 bilhões de 'dinheiro novo' chegarão ao e-commerce até 2024 - uma alta média de 17,3% ao ano. Mas, enquanto 53% dos entrevistados aumentaram seus gastos com compras pela internet desde o início da quarentena, apenas 25% planejam gastar mais no pós-pandemia. 

Por outro lado, entre 5% e 10% dos respondentes declararam que não pretendem continuar comprando on-line ou devem comprar menos. "Em uma economia que terá um crescimento tímido, o comportamento do e-commerce ainda será bastante expressivo. Mas também não dará nenhum pulo 'dramático'", diz o especialista. 

Mesmo assim, categorias como alimentação, cuidados com pets e beleza & cuidados pessoais serão as com maior crescimento percentual: vendas 320% maiores até 2024, ante 2019, ganhando R$ 15 bilhões de share no período. Já a alta em números absolutos deve acontecer nos eletrônicos, com adição de R$ 22 bi em vendas. 

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Nessa última e em categorias mais comoditizadas, como eletrodomésticos e mídia, continua a busca por conveniência. E os varejistas que trabalharem prazo e frete no canal on-line sairão na frente, diz Bowles. 

"Assim, o consumidor não terá mais tanta razão para voltar à loja. A não ser os mais sensoriais, para quem faz sentido o papel da loja como showroom e onde ele busca atributos como qualidade", afirma. "Mas, sem dúvida, comprar on-line daqui para frente será um movimento que veio para ficar e somente acelerar." 

CAMINHO SEM VOLTA?  

Mas há fatores que podem estabilizar, ou até desacelerar de maneira importante a participação recorde do e-commerce de 2021 em diante, segundo Eduardo Yamashita, diretor de operações da Gouvêa. 

Exemplo disso é a penetração reduzida de algumas categorias que globalmente não têm vocação digital, como as não-comoditizadas, as perecíveis, e as com tíquete médio baixo, como vestuário e calçados. 

Com 10% de share antes da pandemia, categorias que ampliaram muito a penetração no e-commerce, como restaurantes e alimentação para consumo imediato, tiveram crescimento nas redes que variou de 50% a 100%.

Mas elas devem diminuir a participação em 2021 e 2022. E mesmo com ritmo de crescimento menor, à medida que a economia e a confiança da população voltarem, não vão perder faturamento, diz Yamashita.  

"Quanto à alimentação dentro do lar, o brasileiro gosta de fazer compras e vivenciar a experiência de escolher produto. Tanto que a penetração voltará a ser menor que nos Estados Unidos (11%) e países asiáticos (30%)."

Já o tíquete médio mais baixo esbarra em problemas como logística, pois não dá para oferecer frete grátis para a compra de itens de R$ 10 ou R$ 20, pois é economicamente inviável para quem opera no e-commerce.  

Yamashita destaca que não é por acaso que, antes da pandemia, pouquíssimas empresas estavam testando a operação digital: além de lidar com um consumidor habituado a comprar no ponto físico, muitos lojistas, em especial os pequenos, foram empurrados a investir no e-commerce - o que achatou suas margens. 

Por isso ainda não há uma resposta concreta se o crescimento do e-commerce se manterá de forma sustentável, segundo o especialista da Gouvêa. "Afinal, para muitos varejistas, a conta ainda não fecha." 

Em sua avaliação, o varejo ainda está tentando entender esse movimento. E o consumidor não está com o mesmo ímpeto nem deve voltar aos mesmos índices de compra do período de pandemia. 

"É inquestionável que a pandemia acelerou o processo, mas o crescimento que o digital conquistou em 2020 não volta mais", diz. "O consumidor está ansioso para retomar hábitos que forçosamente deixou de ter. E quando isso acontecer, o share do e-commerce certamente vai diminuir", conclui Yamashita. 

FOTO: Freepik     ARTE: Will Chaussê

tags: e-commerce, vendas online, comércio

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